Cientistas registam o “pulso” da Terra no fundo do oceano
Um novo projeto liderado pela University College London (UCL), no Reino Unido, que irá lançar 50 sismómetros de alta sensibilidade no fundo do Oceano Atlântico e do qual o Instituto Dom Luiz (IDL) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências ULisboa) é parceiro, tem como objetivo preencher uma lacuna no nosso conhecimento acerca dos intensos movimentos que ocorrem no interior da Terra.Os sismómetros, capazes de detetar vibrações provocadas pelas ondas sísmicas, serão lançados ao longo de uma região que abrange as Ilhas Canárias e os arquipélagos dos Açores e da Madeira, e registarão em contínuo os movimentos do solo, ou seja, o “pulso” do planeta, durante o período de um ano.Em particular, o projeto – chamado UPFLOW (UPward mantle FLOW from novel seismic observations) – pretende melhorar a compreensão dos “afloramentos” massivos de material proveniente do manto terrestre, que sofre deslocação ascendente, sobre os quais o conhecimento ainda é escasso, pois, como podem ocorrer longe dos limites das placas continentais, não podem ser explicados pela tectónica de placas.O projeto é financiado pelo Conselho de Investigação Europeu (ERC – European Research Council) e envolve a colaboração entre instituições da Alemanha, da Irlanda, de Espanha e de Portugal. O IDL é o responsável pelo desenho, desenvolvimento e construção de alguns dos sismómetros de fundo oceânico (OBS – Ocean Bottom Seismometers) que serão usados no projeto.A investigadora principal, Professora Ana Ferreira (UCL Earth Sciences), diz: “Esta é uma experiência sísmica sem precedentes. É a primeira vez que será abrangida uma região tão vasta no Atlântico Norte por estes instrumentos de alta sensibilidade. A análise dos seus dados vai permitir, esperamos, compreender melhor os movimentos massivos que ocorrem a centenas de quilómetros de profundidade, no interior do manto terrestre – em particular, os escoamentos ascendentes de material, que ainda não compreendemos muito bem. Esta atividade é o que, em última instância, provoca erupções vulcânicas e que pode dar azo a terramotos.”O projeto irá usar um novo método de representação gráfica da atividade sísmica – isto é, uma nova maneira de caracterizar a estrutura sob a superfície terrestre a partir da análise de ondas sísmicas – anteriormente usadas por astrofísicos para estudar galáxias distantes. Ana Ferreira acrescenta: “Os nossos dados consistirão também num enorme legado, permitindo um amplo conjunto de atividades de investigação, desde o seguimento de baleias através do som que fazem ao passar perto dos sismómetros, até à monitorização de terramotos e tremores de origem vulcânica. Os dados também poderão ser usados para examinar interações entre a atmosfera, os oceanos e a Terra “sólida”.”O Professor Miguel Miranda, presidente do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), outro dos parceiros do projeto, diz: “A existência das Ilhas Canárias e das ilhas vulcânicas da Madeira e dos Açores tem origem nos movimentos massivos nas profundezas da Terra. A nossa investigação propõe-se descobrir se existe uma ligação no mecanismo de formação destas ilhas.”Nas próximas cinco semanas, Ana Ferreira coordenará uma campanha a bordo do navio de investigação Mário Ruivo (propriedade do IPMA) para colocar os sismómetros no fundo do oceano, onde ficarão estacionados durante um ano, após o que serão recolhidos. Os detalhes desta missão, que teve início a 14 de Julho, estão a ser divulgados pela plataforma +Atlantic CoLab e o vídeo de apresentação pode ser acedido aqui.Durante a campanha, a Professora participará em conferências Zoom com escolas primárias no Reino Unido, promovidas pelo projeto de outreach científico GeoBus da UCL, e comunicará com crianças na Alemanha, em Portugal, em Espanha e na Irlanda. Como parte deste outreach, crianças dos países participantes deram nome a alguns dos sismómetros, incluindo Neptuno, Tritão, Gelatina, César e Thor. A investigadora e outros membros da equipa gravarão também vozes e sons a partir do navio como parte de uma colaboração com o músico compositor de jazz Liam Noble com o intuito de criar música inspirada pela campanha.O projeto, financiado pelo ERC com uma bolsa de 2.8 milhões de euros (2.4 milhões de libras), será executado em colaboração com o Instituto Alfred Wegener (AWI), a Universidade de Potsdam, o Centro Helmholtz de Potsdam (GFZ) e o Centro Helmholtz de Investigação Oceânica de Kiel (GEOMAR), na Alemanha, o Instituto de Estudos Avançados de Dublin (DIAS), na Irlanda, o Instituto Real e Observatório da Armada (ROA), em Espanha, o Instituto Dom Luiz (IDL), o Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL), e o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, I.P. (IPMA), em Portugal.(Direitos das imagens: IPMA, I.P.)