Detetada presença humana nos Açores centenas de anos antes da chegada dos portugueses

Um estudo internacional, com a participação de investigadores do Instituto Dom Luiz (IDL) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, reconstrói as condições em que os Açores foram habitados pela primeira vez e o impacto da presença humana nos ecossistemas.

 Os primeiros povoadores das ilhas açorianas chegaram, com grande probabilidade, ao arquipélago Açoriano centenas de anos antes da colonização oficial realizada pelos navegadores portugueses em meados do século XV. Esta é uma das principais conclusões de um novo estudo desenvolvido por uma equipa internacional e multidisciplinar de investigadores Europeus e Norte-Americanos e que contou com a participação de Ricardo Trigo, Professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e diretor do Instituto Dom Luiz (IDL), e do Investigador Pedro Sousa.O artigo, publicado agora na importante revista PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences), intitulado: “Climate change facilitated the early colonization of the Azores Archipelago during Medieval times”, reconstrói quando, como e em que condições climáticas os Açores foram habitados pela primeira vez e o impacto que estes primeiros povoamentos tiveram nos ecossistemas com base na análise e datação de sedimentos extraídos de lagos de diferentes ilhas do arquipélago. Os autores do estudo sugerem, ainda, que os primeiros colonizadores eram provavelmente oriundos do norte da Europa, aproveitando as condições climáticas favoráveis da altura para navegar até às ilhas açorianas.Até agora, existia um consenso de que os Açores eram desabitados até à chegada dos portugueses. Segundo as fontes históricas disponíveis, chegaram à ilha de Santa Maria em 1427 e às ilhas do Corvo e das Flores em 1452. O trabalho agora publicado regista a chegada dos primeiros colonos às ilhas no final da Alta Idade Média.Os investigadores dataram e analisaram, por meio de técnicas geológicas, químicas, físicas e biológicas, cinco sondagens de sedimentos recuperados do fundo de lagos das ilhas de São Miguel, Pico, Terceira, Flores e Corvo. Detetaram nos sedimentos lacustres a presença de esteróis, fração muito abundante da matéria orgânica nas fezes de mamíferos, e de fungos coprofílicos, que são interpretados como indicadores da atividade humana.“Os intestinos dos mamíferos produzem em abundância esteróis e estanóis fecais que são bem preservados nos sedimentos lacustres e são um indicador único e inequívoco da presença de grandes mamíferos em determinados períodos do passado”, explica Timothy Shanahang, investigador da Universidade do Texas em Austin (EUA) e coautor do artigo. "Além disso, os compostos produzidos pelo intestino humano (rico em coprostanol) e pelo gado (rico em estigmastanol) são diferentes, o que nos permite distingui-los."“Devido à sua posição geográfica, no centro do Oceano Atlântico, as ilhas dos Açores não eram habitadas por grandes mamíferos”, explica Santiago Giralt, um dos autores principais do artigo. “Portanto, o aparecimento do coprostanol nos sedimentos pode ser atribuído à presença de humanos e do estigmastanol aos ruminantes, como vacas, cabras ou ovelhas”.Os investigadores também puderam caracterizar o impacte das primeiras ocupações humanas nos ecossistemas das ilhas a partir do estudo do pólen, fragmentos fósseis de plantas e resíduos de carvão presentes nos sedimentos. “Como demonstramos neste trabalho, a ocupação humana inicial das ilhas conduziu a profundas alterações ecológicas e ambientais. Embora fontes históricas descrevam os Açores como densamente florestados e intocados, este trabalho evidencia a discrepância que existe entre os registos fósseis e os registos históricos que servem na maioria das vezes como referência para identificar ecossistemas pristinos”, explica Pedro Raposeiro, investigador da Universidade dos Açores e primeiro autor do artigo.Os autores do trabalho também realizaram diferentes simulações para determinar as condições climáticas prevalecentes em que ocorreu a colonização inicial do arquipélago. De acordo com essas simulações, e com outros estudos genéticos anteriores, os autores sugerem que os primeiros habitantes eram provavelmente oriundos dos povos nórdicos europeus. Estes encontraram condições climáticas favoráveis para navegar em direção aos Açores no final da Alta Idade Média, devido à predominância dos ventos de nordeste e o enfraquecimento dos ventos predominantes de oeste.Além de contar com a participação de investigadores do IDL-Ciências ULisboa, também participaram neste estudo cientistas de várias instituições nacionais e internacionais, como a Universidade dos Açores (Portugal), a Universidade do Texas (EUA) a Universidade da Corunha, a Universidade de Barcelona (UB), do Centro de Pesquisas Ecológicas e Aplicações Florestais (CREAF, Barcelona), de vários centros CSIC de Espanha, incluindo o GEO3BCN-CSIC (Barcelona), o Instituto de Investigações Marinhas (IIM-CSIC) e do Museu Nacional de Ciências Naturais de Madrid (MNCN-CSIC). Colaboraram também peritos do NIOZ (Holanda), da Brown University (EUA), do Instituto Português da Atmosfera (Portugal), do Instituto de Ciência e Tecnologia (UAB), da Universidade de Évora (Portugal), da Universidade de Amsterdão (Holanda), da Universidade de Berna (Suíça) e da Universidade Edith Cowan (Austrália).Pedro M. Raposeiro et al. Climate change facilitated the early colonization of the Azores Archipelago during Medieval times. PNAS. http://doi.org/10.1073/pnas.2108236118 Notícias internacionais:

https://www.newscientist.com/article/2292266-people-reached-remote-atlantic-islands-700-years-earlier-than-thought/

https://www.science.org/content/article/vikings-paradise-were-norse-first-settle-azores